A entrevista a seguir foi realizada pela editoria de
esportes do Blog Café Pautado, composta por André Carlos Zorzi, José Ayan Jr,
Gustavo Ache Saad e Guilherme Raia, e data de 01/10/2013, terça-feira seguinte
à goleada da equipe de Guto por 4 x 0 ante o Corinthians, válida pela 24ª
rodada do Campeonato Brasileiro.
Agradecimentos especiais ao técnico Guto Ferreira, e ao
clube no qual trabalha, a Portuguesa, pela boa vontade em conceder a
entrevista.
Foto: José Ayan Jr |
Blog
Café Pautado: Você assumiu a Portuguesa na 10ª rodada, com 7 pontos, na
lanterna, junto com o Náutico, e hoje o time está em 12º, com 31 pontos, o 3º
melhor ataque e a 4ª pior defesa. Como você vai arranjar equilíbrio para esse
time permanecer na 1ª divisão, ou até alçar voos maiores?
Guto: Bom, acho que isso vem acontecendo jogo a jogo.
Quando você classifica a 4ª pior defesa, e para para analisar que nos últimos 3
jogos não tomamos gols, é porque alguma evolução, algum resultado do que a
gente vem trabalhando todo dia, teve, então isso já nos tranquiliza.
E a situação de ter o 3º melhor ataque, à medida que
você vem dos três últimos resultados com duas goleadas, também nos deixa mais
tranquilos, e tranquilidade não é sinal de acomodação. Acho que esse é o grande
detalhe, hoje a Portuguesa está no clima certo e o que nós precisamos agora é
ter habilidade para controlar a velocidade para o trem não descarrilar.
Qual
evolução você vê no time como um todo, desde a sua chegada até agora? Tática,
técnica...
Acho que às vezes vocês fazem umas perguntas que é
difícil de você dimensionar. À medida que você tem resultados, talvez seja um
modelo, e você dimensiona isso. Quando nós chegamos à equipe, nos primeiros
seis jogos, empatamos três, perdemos 2 e ganhamos um. Nos últimos seis jogos,
nós ganhamos cinco.
Agora
vamos falar do calendário, que está sendo muito discutido e inclusive os
jogadores fizeram um abaixo assinado e se reuniram. Como você vê isso, e o
calendário do futebol brasileiro?
Da maneira mais positiva possível. Necessário eu acho
que só quem sofre é que pode dizer o que é, e os primeiros grandes afetados são
os jogadores que são cobrados incessantemente como máquinas, o que afeta a
condição de trabalho e a valorização profissional deles, porque à medida que
você não consegue dar o rendimento esperado, é questionado pela torcida epelos
meios de comunicação, e ninguém pára para analisar, tece comentários,
analisando friamente aonde estão os problemas.
Os problemas sempre são os jogadores que são obrigados
a cercear um pouco mais da sua vida, da sua condição muitas vezes até fora do
futebol, para que possa render ao máximo dentro, sem estar sendo respeitado
fora de campo o mínimo que necessita também para ter uma vida familiar e
social.
E
quanto à rotação dos técnicos brasileiros? Muita gente critica que sempre são
os mesmos, que não duram muito nos cargos, como você é um dos novos técnicos do
futebol brasileiro, que vem de bons trabalhos na Portuguesa, Ponte Preta e Mogi
Mirim, como vê isso?
Dentro da estrutura do futebol, muitas vezes ele não
está sendo dirigido por pessoas especializadas NO futebol. Por mais que tenham
pessoas especializadas envolvidas, a palavra final é sempre de alguém que não é
tão especialista. O ser humano como um todo muitas vezes não chama a
responsabilidade para si próprio, ele divide ou repassa a responsabilidade. E
você apostar em treinadores que estão surgindo, num primeiro momento como
treinador, é necessário que ele chame a responsabilidade para si. Então, muitas
vezes o treinador precisa galgar e fazer resultados em condições adversas a
outros que tem muito mais estrutura, e quem hoje domina o mercado numa maneira
mais natural possível é quem um dia já passou e foi vencedor em todo esse
processo, então permanece pela qualidade que tem. Se o trabalho dele não está
rendendo, muitas vezes pode ser por conta de alguma coisa em termos
estruturais, ou porque o próprio técnico entrou numa zona de conforto.
Agora, não cabe a nós, temos que fazer o caminho que
eles fizeram. Se eles estão ali, é porque já passaram por todas as dificuldades
que nós, nesse momento, estamos passando, até que a oportunidade nos chegue.
Agora
quero falar um pouco da sua carreira como um todo, e também que você falasse um
pouco do seu trabalho no Mogi Mirim, onde você conquistou acesso para a série C
do brasileiro e o título do interior paulista, como foi trabalhar num clube
pequeno e ter grandes resultados?
Minha trajetória começa aos 16 anos de idade, no
colégio Dom Bosco em Piracicaba, onde jogava futebol e dirigia o sub-12. Depois
cursei educação física e iniciei no futebol no sub-13 do XV de Piracicaba, como
preparador físico e fui galgando degraus até chegar na equipe júnior, depois
como treinador, e aí como treinador já com alguns resultados expressivos para a
região. Passei rapidamente para o Guarani, São Paulo 2 anos na base, fui pro
Internacional de Porto Alegre, onde na primeira fase foram seis anos, nos
primeiros 3 como treinador de Junior onde o principal título foi o de campeão
da Copa São Paulo, foi o último título da Copa São Paulo [do Inter], em 98.
Algum
jogador daquele ano vingou?
Alguns. Lúcio, Diogo Rincón, Clayton, esses talvez
tenham sido os três mais famosos.
Como
você assumiu o time profissional, àquela época?
Em 2000 eu subi para a série A do Zé Mario Barros, em
2002 era o Ivo Wortmann , eu era auxiliar e ele o treinador. Pediu demissão
durante o campeonato gaúcho e tivemos a felicidade de conduzir o time para o
título estadual de 2002.
Iniciamos o campeonato brasileiro e por questões de
resultado naquele momento, e até problemas estruturais dentro da equipe, não
demos sequência. Em 2003 fomos retomar no Noroeste de Bauru por 70 dias, e
praticamente no início de trabalho recebi um convite para ir para Portugal, aí
ficamos duas temporadas por lá, subimos duas equipes, Penafiel e Naval.
Retornamos no Corinthians Alagoano...
Fale
um pouco mais da sua passagem por Portugal, e qual a diferença maior que você
vê no futebol europeu e no futebol brasileiro?
Nós dirigimos e montamos dois clubes de segunda liga, e
os dois obtiveram o acesso.
Quanto às diferenças, talvez um pouco mais de
organização tática. Uma cultura um tanto diferente, mas em suma futebol é
futebol em qualquer lugar.
Você
pensa em voltar para a Europa em algum ano?
Na realidade nós estamos aí para o mercado, né, mas
nesse momento o grande sonho não é nem a Europa, eu tenho alguns sonhos
diferentes aí, logicamente estamos abertos a desafios e se aparecerem grandes
desafios, logicamente.
E
quais são esses sonhos?
Em termos de mercado a grande paixão minha não é a
Europa, nunca foi a Europa. Eu acho que não é nem a questão profissional que me
direciona para isso, e sim a cultura do povo, a educação, enfim, mais pela
cultura e pelo respeito, organização, meu grande sonho sempre foi trabalhar no
Japão, é um futebol num estágio talvez não no nível da Europa, mais baixo, mas
é mais pelo povo, pela convivência com o povo japonês que tenho sim o sonho de
vivenciar a vida no Japão.
Agora profissionalmente, com certeza Espanha, Itália,
França, Inglaterra, são ligas fantásticas que com certeza eu tendo uma
oportunidade não deixaria para trás, não.
Voltando ainda na parte da carreira, saí do Corinthians
Alagoano para o Inter, para fazer uma função mais de apoio, em termos de
estrutura, primeiro como coordenador técnico da base e depois como coordenador
de passagem de jogadores para o profissional. Depois ainda somando junto o
trabalho de auxiliar técnico do profissional. Em 2010 retomamos no Mogi, aí sim
o Mogi um clube teoricamente tido como pequeno, mas com uma mentalidade grande,
vencedora, onde tem uma boa estrutura física, simples, mas efetiva, com pessoas
que se preocupam com detalhes muito importantes.
Não existe luxo, mas existe respeito, porque à medida
que te oferecem boas condições eles podem não te pagar muito, mas te pagam
religiosamente em dia, e buscam dentro daquilo que eles podem te oferecer as
melhores condições possíveis de trabalho.Uma academia simples, mas efetiva, um
Departamento Médico simples, mas efetivo, com pessoas que tem dentro da
mentalidade fazer o melhor, e capacidade para isso.
Então acho que tudo isso que fez, além da qualidade do
trabalho das pessoas que se doaram acima da estrutura, o Mogi dar um salto de
qualidade e aí já tá indo para a 3ª temporada em crescimento, tanto no seu
trabalho profissional como no de base.
Depois ainda tive uma passagem na Ponte Preta, e no
intervalo de 2011, Criciúma, ABC e agora aqui na Lusa.
E
quanto à essa história do ABC, na qual o Leandro Campos foi demitido, você foi
contratado, ficou duas semanas no cargo até que o mesmo Leandro Campos foi
recontratado, Por que aconteceu isso?
Porque aconteceu isso você tem que perguntar pro
diretor na época, que era o Flávio Anselmo, e pro presidente. Mas isso
aconteceu, é verídico, tá aí, não tem como negar. Eu fui para o lugar dele e 15
dias depois ele voltou.
Problema
de profissionalismo?
Tem que perguntar para os caras lá, eu não sei.
Voltando
agora ao assunto Portuguesa, você sente um tratamento diferente da imprensa
paulista em relação à Lusa, dos grandes clubes?
Olha cara, eu nunca tive problemas. Aliás, nas minhas
passagens aí, eu nunca tive problema com imprensa.
Eu percebo aqui um carinho especial por parte da
imprensa, como sempre tive nos clubes que passei, mas aqui com certeza existe,
vamos colocar assim, que na Portuguesa não existe qualquer tipo de rejeição,
tanto profissional da imprensa vem aqui e trabalha duma maneira mais solta,
mais tranquila, quanto nós como recebemos deles, trabalhamos de maneira mais
tranquila, existe um respeito muito grande, e isso é muito bom.
Ainda
em relação à Portuguesa, mesmo passando por um bom momento, o time ainda tem a
pior média de público do campeoanto, porque você acha que isso está
acontecendo?
Muitas vezes não sou eu que você tem que perguntar a
opinião, dois meses de clube, isso aí tem muita relação com cultura, com
relacionamento, administração, torcida, o que eu posso dizer é que a torcida da
Portuguesa nesse momento pode não ter a quantidade, mas a qualidade é
fantástica. A entrega deles nos jogos é fantástico, eu só tenho a elogiar a torcida
da Portuguesa. Tá cobrando a quantidade, mas a qualidade de quem está ali, isso
eu posso dizer: é fantástico.
A
diretoria do clube te consultou nesse último jogo para a mudança do mando para
o Morenão, ou ela te consulta de alguma forma ou você só acata?
Naquele momento eu fui consultado, e cabe ao bom senso,
a você. Se existe uma dificuldade dentro do clube, e uma dificuldade envolve
uma coisa de muita importância, de repente uma maneira que o clube estava
buscando para solucionar um problema, então cabe a você também fazer a sua
doação, sua cota de sacrifício, quando digo você, é a estrutura do futebol, e
dessa maneira que foi solucionada.
Como
você vê o futebol de base brasileiro, já que trabalhou no Inter e foi campeão,
em relação à formação de atletas profissionais, com empresários principalmente.
Não é o empresário que atrapalha o contexto. Em todos
os setores existem os bons e maus profissionais. Existem os que estão
aprendendo, os que já tem uma rodagem, e pela rodagem que têm, possuem um
discernimento de como se conduz a carreira de um atleta de forma positiva, e
tem outros que muitas vezes a inexperiência acaba atrapalhando, isso em todos
os setores.
Então começo a te responder dizendo que não são os
empresários os responsáveis muitas vezes por questões que acontecem na base. A
base carece sim de uma visão mais formadora em muitos clubes, mas à meidade que
um investimento que você faz, ele pode a qualquer momento se diluir, porque não
existem leis de proteção, e o investimento passa a ser menor.
Você já viu pequenos investimentos terem resultados
extremamente expressivos? É muito difícil, você conta nos dedos essa situação,
então a base carece sim de investimento maior, de uma qualificação maior, hoje
se cobra muito dentro da base o resultado final, e cobrando o resultado final,
muitas vezes não se faz o trabalho adequado.
Muitas vezes tem ‘N’ clubes que fazem trabalho
fantástico de base, e outros clubes precisam, dentro da simplicidade deles, ter
a noção que para o trabaho andar bem precisa-se de metodologia, profissionais
que busquem crescimento, qualidade de treinamento.
Hoje no Brasil existem trabalhos de base qualificados,
de nível médio, e mais humildes. Eu acho que é isso, como em todo lugar, como
foi muitos anos atrás.
“Ah, mas não tá surgindo tantos jogadores”. Aí eu
pergunto: com tanto dinheiro que tá rodando dentro do Brasil, os clubes estão
querendo apostar nos jogadores da base ou estão querendo dividir
responsabilidades, porque ele tem capacidade de trazer o grande nome, e o
grande nome interessa à mídia?
Agora
vamos falar um pouco da sua visão sobre o campeonato brasileiro, acha que o
Cruzeiro está com uma mão na taça?
Tudo pode acontecer. Acho que o Cruzeiro vem conduzindo
sua campanha de maneira bastante sólida, então pelo que ele abriu, é uma
condição um tanto difícil, mas se trata do campeonato brasileiro e, como eu já
disse, tudo pode acontecer, então ainda não o coloco nessa posição.
O planejamento, o momento, a maneira que vem sendo
conduzida dão indicativos muito fortes de que o Cruzeiro tende a ser campeão.
Queria
que você desse sua opinião sobre a Copa do Mundo, o que você espera do próximo
ano das seleções que virão ao Brasil? As favoritas, alguma em especial?
Hoje existe tudo aquilo que sempre existiu no Brasil
com preocupação com o que vem de base e tal, existem trabalhos muito sérios na
Europa, na Espanha, Alemanha, Itália, França Portugal, haja visto o nível
técnico dos campeonatos europeus de base, de seleções, e eu espero que o
professor Luíz Felipe [Scolari] consiga resgatar, e vem resgatando o futebol
brasileiro como um todo. Acho que o Mano fez um grande trabalho, porque se você
colocar que a seleção que o Luiz Felipe hoje comanda tem na sua maioria, 80% de
jogadores que foram testados na seleção pelo Mano, então o trabalho dele foi
positivo, e aí vem o acréscimo da experiência do Parreira, do Scolari. É um
trabalho que se sequencia.
Favoritos há ‘N’ seleções que vem jogando futebol, por
exemplo, dentro da América do Sul, a Colômbia vem jogando um futebol
diferenciado. Uma equipe de pegada forte, muito intensa, com bom toque de bola.
A Argentina queira ou não queira tem grandes
jogadores.É que não é só a questão de grandes jogadores para fazer uma equipe,
depende muito de como vai começar o ano, dentro do calendário, e como vai
terminar a condição física de cada jogador, o momento de cada jogador, e como
será o foco desses jogadores.
Acho que a energia que o povo brasileiro pode passar
para essa seleção, se for de cobrança, com certeza ela irá ruir. Se for de
apoio, fatalmente será uma finalista.
Essa pressão a gente já mostrou na Copa das Confederações,
de que maneira a seleção pode responder. Ela só recebeu bem, terminou com o
título.
A Espanha queira ou não queira tem bons jogadores, a
Itália vem num processo de reformulação muito grande e a Alemanha vem muito
forte.
Então tem muita gente aí, eu coloquei seis, sete, daqui
a pouco surgem mais alguns que eu possa ter esquecido, é o momento da Copa do
Mundo que vai dizer.
Para
encerrar, o que você gosta de fazer fora do futebol, quando não está treinando,
indo para os jogos, no seu tempo livre que é bem raro?
Estar com a família, com os filhos, com a esposa e jogar
um tenisinho com os amigo, basicamente isso aí.